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Mito da Caverna

segunda-feira, 30 de junho de 2008

Carta dirigida a Secretaria

Boa noite!

Amigos segue abaixo a carta de uma supervisora à secretária.

Senhora Secretária,Quero aqui expressar, com todo o respeito, a opinião de uma profissionalque pensa que a educação pública de boa qualidade é fundamental para o desenvolvimentodo país e que, por isto mesmo, tem orgulho de pertencer ao Quadro do MagistérioEstadual Paulista. Tenho 15 anos de trabalho na Escola Pública de São Paulo,11 dos quais em sala de aula e os últimos 4 na Supervisão de Ensino. Tenholido com muita apreensão algumas matérias que saem nos jornais e na Revista'Veja' que, a meu ver, têm colocado a maior parte da responsabilidade dosmales da educação nos professores e gestores escolares, sem, contudo, fazeruma reflexão mais profunda sobre esta situação.Concordo que há um número grande de professores sem condição para assumiruma sala de aula. Mas há que se perguntar: por que isto acontece? Se a justificativado fracasso da educação está neste fato, por que aceitar professores tãomal formados? É triste pensar que boa parte dos professores é formada emcursos que não preenchem os mínimos requisitos para formar bons professores.Não posso deixar de pensar que isto parece uma política muito bem pensada.Professores mal formados formam mal seus alunos e, por isto mesmo, não têmo direito de receber salários dignos de um bom profissional.Os bons profissionais acabam abandonando a carreira, pois não são valorizadostanto financeiramente, como do ponto de vista social. Nem o Estado, nem asociedade respeitam estes profissionais. E como resgatar o respeito perdidoperante a sociedade, se toda campanha que o governo e a mídia em geral fazempor uma educação de qualidade, é uma campanha contra os professores, sempreapontados como os grandes culpados pela situação da escola pública?No entanto, quando alguns de nós afirmamos que é preciso fiscalizar, commais firmeza, os cursos para que passem a formar professores competentes,lá vem aquela 'baboseira ideológica' (me desculpe por emprestar sua expressão)de que somos um bando de castristas autoritários. Ninguém reclama quandoa vigilância sanitária fecha um estabelecimento que não segue as mínimasregras - afinal é uma questão de saúde pública. Mas quando falamos da necessidadede fiscalizar as instituições de ensino superior e tomaratitudes firmes contra aquelas que formam mal, é uma gritaria geral. Em umaentrevista à 'Veja' a senhora afirma que 'num mundo ideal' fecharia as faculdadesde pedagogia porque seus cursos são 'exclusivamente teóricos, sem nenhumaconexão com as escolas públicas e suas reais demandas' (Veja, 13/02/2008).Na verdade, senhora secretária, uma boa parte dos cursos são vagos mesmoe os alunos não tem aulas de tipo algum, sejam teóricas, sejam práticas.Penso que qualquer reforma no ensino básico será infrutífera se não acompanhadade uma reforma profunda nos cursos que formam professores. Outra questãoreside nas condições de trabalho. Muito tem se falado no exemplo finlandês,especialmente em matérias da 'Veja'. Convenhamos, nenhuma delas explica muitobem a situação dos professores finlandeses, tão citados como exemplares.Matéria do 'Washington Post', disponível na Internet (washingtonpost. com,acesso em fevereiro de 2007) e intitulada 'Focus on Schools Helps Finns Builda Showcase Nation', nos fornece dados que possibilitam ver as diferençasentre as condições de trabalho dos professores daqui e da Finlândia. Nestepaís, a profissão é valorizada, os professores são respeitados pela sociedadee se orgulham de sua profissão.Quase todos são mestres, no mínimo. Será que se formam em cursos vagos, defim de semana? Cursos reconhecidos pelo Governo e que cresceram exponencialmentea partir dos anos 90? Aqui em São Paulo, até mesmo o programa 'Bolsa Mestrado'foi suspenso pelo governador José Serra. Na Finlândia, os professores nãosão horistas; são contratados para trabalhar em uma única escola; têm dedicaçãoexclusiva, tendo tempo para desenvolver projetos que favoreçam a aprendizagem.Enfim, são professores- pesquisadores, com condições para tal. Aqui, senhorasecretária, professor da escola pública é horista e dá até vergonha de dizerquanto vale a hora / aula de um professor. Para compor o salário os OFAsse deslocam de uma escola para outra para completar a carga horária. Muitosefetivos de cargo, para aumentar a renda, acabam acumulando cargo no próprioEstado ou no Município.Isto sem falar naqueles que também atuam em escolas particulares. Em relaçãoa esta questão, outra matéria 'vejiana' afirma que salário não tem relaçãocom qualidade de ensino. Citando a Finlândia, afirma que lá os professoresganham quase o mesmo que a média do salário nacional, enquanto os professoresdaqui ganham cerca de 50% a mais. Ora, eu gostaria de ganhar um salário igualao da média nacional, desde que a nossa média nacional fosse igual à da Finlândia.Como os professores de lá, com certeza eu não reclamaria. Como diversos estudosmostram, números são interpretados em função de nossas intenções e visõesde mundo. Como educadora e com uma visão diferente da 'vejiana', penso quedevemos lutar por um futuro em que a média dos salários daqui possa se compararà de países que oferecem uma vida mais digna aos seus cidadãos. Aliás, éinteressante observar que matéria da própria 'Veja' (Veja São Paulo, de 16/04/2008),mostra que salário tem sim relação com a qualidade de ensino. A matéria nosinforma que a média dos salários dos professores das 10 melhores escolasno ENEM 2007 é de R$ 6.000,00. Há professores que recebem mais de R$ 9.000,00.São professores bem formados, valorizados e com dedicação exclusiva. Seidas dificuldades de se arcar com custos de salários tão altos para os professoresdas escolas públicas, mas dizer que ganhamos bem e que reclamamos à toa beiraé brincadeira de mau gosto, para não dizer que parece um discurso ensaiadoe de má fé.Voltando à Finlândia, lá o sistema é 'rich in staff', como é afirmado namatéria do 'Washington Post'. Há funcionários, psicólogos e especialistasem crianças com necessidades especiais. Já aqui... Lá o sistema selecionaos melhores professores, pois os valoriza. Aqui o sistema contrata professoresmal formados exatamente porque não os valoriza. Só quando os professoresforem profissionais bem formados, receberem salários dignos de sua profissãoe forem respeitados enquanto profissionais é que o Estado terá condiçõesde exigir resultados. Aí sim poderá avaliar e até mesmo criar mecanismospara excluir aqueles professores que não tenham compromisso em sua profissão,tal como na Finlândia ou nas escolas particulares. Do contrário, as avaliaçõessó continuarão a mostrar o fracasso do sistema.Penso ser urgente pensar nestas questões, pois não adianta cobrar melhoranos resultados de aprendizagem se não há um sistema de contratação de profissionaisbem formados, sejam professores, sejam gestores. Concordo que o problemada má qualidade de ensino não se resolverá apenas com aumento de saláriodos professores. Mas os profissionais da educação pública precisam ter seussalários revistos.Repito: sei das dificuldades de o Estado arcar com uma folha de pagamentoalta como das escolas particulares, mas nosso salário está vergonhoso e nãoacredito que o governo do Estado mais rico da federação não poderia oferecerum pouco mais. Há também outros problemas que precisam ser enfrentados, defato. Acho no mínimo preocupante quando a senhora afirma, em uma das reportagens(Folha de São Paulo, 25/02/2008), quando questionada sobre as 'falhas dosgovernos tucanos' (Covas, Alckmin), que prefere dizer que os problemas atuaissão estruturais. Não são falhas de um governo que está aí há anos, não équestão de incompetência. São questões estruturais. No entanto, quando dizemosque muitos dos problemas da escola pública são estruturais (salários baixos,lotação, prédios horrorosos, lousas caindo aos pedaços, falta de laboratórios,violência, indisciplina, etc.) ouvimos que isto é reclamação sem fundamento;que é só saber bem o conteúdo e boas técnicas didático-metodoló gicas quetudo se resolveria (isto fica bem claro quando lemos o 'Caderno do Gestor'que acompanha a nova 'Proposta Curricular') . Mas quando questionada em umadas reportagens sobre as condições das escolas, a senhora diz que o governofaz o que pode, manda verbas, mas à noite a escola é invadida e roubam osfios. Isto não é contraditório? O governo tem desculpas, não é sua culpa,é da estrutura e dos vândalos que invadem a escola. Agora, quando um professortem que enfrentar uma classe lotada, sem a mínima estrutura ele tem que sevirar.Não tem desculpas... Em outras palavras: todas as falhas dos governos passadosnão são falhas ou questão de incompetência, são problemas de estrutura. Masquando os professores dizem que a estrutura atual do sistema de ensino contribuimuito para o fracasso escolar, o governo diz que isto é desculpa, que é 'baboseiraideológica', e que basta ser competente e saber o conteúdo que tudo se resolverá.Voltando à tão citada Finlândia, fica claro que lá os professores são competentes,como se afirma, porque bem formados, valorizados e com condições estruturaisbem melhores que as que temos no Estado de São Paulo.Portanto, falar em qualidade em salas lotadas, sem condições estruturaissatisfatórias e sem professores bem formados (bem diferente do tão faladosistema finlandês), é falar para 'inglês ouvir'. Em suma, uma educação dequalidade reside no tripé salários dignos, condições de trabalho e compromissoprofissional. Só quando o Estado pagar salários dignos e fornecer condiçõespara os professores e gestores desenvolverem seu trabalho, poderá selecionaros melhores e até mesmo criar formas de excluir aqueles que não tenham compromisso.Em tempo, senhora secretária: fiz mestrado e doutorado e não ganho o salárioque estão dizendo por aí que eu ganho. Muitos de meus colegas me perguntampor que ainda estou na educação pública ganhando um salário tão baixo quenão condiz com a minha formação.Respondo que escolhi isto por acreditar que estou exercendo uma profissãochave para um país que deseja um futuro mais digno; que ainda acredito naeducação e que, sim, tenho um compromisso ideológico com a escola pública.Mas a seguir sua visão e a visão 'vejiana' de educação, senhora secretária,isto deve ser mais uma das minhas 'baboseiras ideológicas'. Profª Drª Clarete - Supervisora de Ensino

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